Page 17 - IPSO FACTO #12 - Novembro 2022
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Embora os primeiros estudos sobre preços de transferência no mundo datem da década de 1930, o Brasil somente veio a criar um arcabouço jurídico para a aplicação destas regras em 1996, com o ad- vento da Lei no 9.430, vigente a partir de janeiro de 1997, que foi parcialmente reformada pelas Leis no 12.715 e 12.766 em 2012. Neste contexto, existem diferenças importantes entre as regras de preços de transferência adotadas pela legislação brasileira e as diretrizes da OCDE sobre preços de transferência, que foram recentemente atualizadas para incorpo- rar o resultado do projeto “Base Erosion and Profit Shifting” – BEPS, de 2015.
A legislação brasileira, ao definir os métodos aplicáveis de preços de transferência, adota somen- te a abordagem do “arm’s length”, que se baseia na comparabilidade das transações entre as pessoas vinculadas com outras transações, criando-se uma ficção de independência entre as partes vinculadas. Assim, as escolhas do contribuinte brasileiro para a aplicação das regras de preços de transferência fi- cam restritas a poucos métodos, que são, em sua maior parte, baseados em margens de lucro fixas ou incompatíveis com as operações das empresas, estando, assim, afastados da realidade do ambiente de negócios em que o contribuinte atua, ocasionan- do graves distorções.
Além disso, a abordagem do “arm’s lenght”, por se basear na comparabilidade, tem se mostrado invi- ável em muitas situações do mundo contemporâneo, uma vez que as transações estão ficando cada vez menos padronizadas, tornando impraticável a verifi- cação de similares para fins de comparação, princi- palmente no que se refere às complexas transações financeiras, aos intangíveis e ao comércio digital.
Para superar tal dificuldade, as diretrizes da OCDE preveem também uma outra abordagem para a aplicação dos preços de transferência, ainda não incorporada à legislação brasileira, que são os cha- mados “transactional profit methods”, baseados na repartição do lucro consolidado das empresas vin- culadas, de acordo com as funções, ativos e riscos atribuídos a cada uma das partes. A visão que tem prevalecido no mercado é a de que essa abordagem tende a gerar maior equilíbrio fiscal, além de per- mitir a sua aplicação em operações sem similares entre partes não relacionadas no mercado.
Embora o Brasil não seja membro da OCDE, o País tem envidado esforços para ser aceito como membro da organização, motivo pelo qual o Minis- tério da Economia do Brasil passou a dispensar uma maior atenção à legislação interna de preços de transferência, buscando harmonizar as regras locais com a prática internacional.
Neste contexto, a Receita Federal do Brasil e a OCDE lançaram um projeto chamado “Transfer Pri- cing in Brazil”, que teve como objetivo (i) a análise do quadro legal e administrativo em vigor no Brasil, relativo a preços de transferência e a sua respectiva
implementação (ii) a avaliação dos pontos fortes e as fraquezas deste mesmo quadro e (iii) a explora- ção das opções para um alinhamento mais próximo entre o Brasil e os Membros da OCDE.
Com base nos resultados deste projeto, a Receita Federal do Brasil está discutindo junto ao mercado um projeto de reforma das regras brasileiras de pre- ços de transferência para gerar um maior alinhamen- to com as regras da OCDE. Embora ainda não esteja definido qual será o instrumento legislativo para a re- forma, muito se tem falado na edição de uma Medida Provisória por parte da presidência da República.
É certo que a abordagem da OCDE, por se ba- sear em critérios mais subjetivos, demanda do con- tribuinte maior custo de conformidade, na medida em que há necessidade de elaboração de laudos e estudos técnicos, podendo ocasionar aumento do grau de litigiosidade. Esse será um dos possíveis de- safios a ser enfrentado.
De todo modo, este é um passo importante para o eventual ingresso do Brasil na OCDE e para a almejada maior integração do Brasil ao comércio global, haja vista que o alinhamento das regras de preços de transferência é uma das preocupações centrais do organismo internacional. Somente com ações como essas o Brasil poderá finalmente viabili- zar uma maior inserção na economia global.
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 A abordagem da OCDE,
por se basear em critérios mais subjetivos, demanda do contribuinte maior custo de conformidade,
na medida em que há necessidade de elaboração de laudos e estudos técnicos, podendo ocasionar aumento do grau de litigiosidade
HEITOR CÉSAR RIBEIRO: sócio da área de Consultoria Tributária no Escritório de São Paulo.
MAURO DA CRUZ JACOB: sócio da área de Consultoria Tributá- ria no Escritório do Rio de Janeiro.
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