Page 27 - Revista IpsoFacto 11
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Embora os JCP tenham sido muito criticados pela comunidade
internacional, finalmente foi reconhecido o seu fundamento como instrumento de busca pela neutralidade fiscal, e não de mera benesse concedida pelo Estado ao contribuinte
do PL, as empresas financiadas por endividamento permaneciam se valendo da dedução fiscal da atua- lização monetária gerada pelos empréstimos.
Foi neste contexto que a Receita Federal Brasi- leira (RFB), consciente desta desigualdade nascida com o fim da correção monetária, mas não poden- do permitir qualquer forma de indexação de balan- ços no contexto do Plano Real, produziu a inovado- ra ideia de se instituir os JCP.1
Atentando-se à necessidade de se manter os efeitos da correção monetária do PL, porque as em- presas mais capitalizadas (financiadas por capital próprio) seriam muito prejudicadas com a mudança de legislação, decidiu-se aplicar uma taxa de juro nominal sobre o acervo destas sociedades para de- duzir de seu lucro tributável.
Dessa maneira, buscava-se com os JCP uma maior neutralidade fiscal na tributação da renda, na medida em que a decisão em se financiar as empre- sas via investimento dos sócios ou endividamento se basearia unicamente em estratégias empresa- riais e disponibilidade de capital, e não na busca de uma estrutura tributária mais vantajosa. Além dis- so, evitar-se-ia uma fuga de investimentos via ca- pital próprio por motivos estritamente tributários.
POSSÍVEL EXTINÇÃO DOS JCP
Tratados como um instituto tipicamente bra- sileiro e sem referência similar no sistema tribu- tário internacional, os JCP sempre foram objeto de críticas e incompreensões. No ano passado, o Projeto de Lei no 2.337/2021, em uma tentativa de estabelecer uma reforma na tributação sobre a renda, pretendia revogar integralmente este insti- tuto. Após muito alarde, foi aprovado pela Câmara dos Deputados e se encontra pendente de análise no Senado Federal.
RECENTE ADOÇÃO DE FIGURAS SIMILARES EM OUTROS PAÍSES
Na contramão das discussões sobre a reforma
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tribuFtáFriaF nFo BF raFsil, os países membros da Organiza-
ção para a Cooperação e Desenvolvimento Econô- mico (OCDE) estão cada vez mais adotando estru- turas semelhantes aos JCP, também chamados de
Allowance for Corporate Equity (ACE).
O relatório “Corporate Effective Tax Rates”2
emitido pela OCDE em 2018 constata que o fato de os dividendos serem indedutíveis na apuração do Imposto de Renda corporativo implica que as decisões de financiamento empresarial podem ser tendenciosas para a dívida e contra o financiamento de capital. Neste contexto, a criação da possibilidade de pagamento de ACEs pelas legislações dos países seria uma maneira de lidar com este potencial viés de dívida.
Segundo o documento, se a taxa de juros nocional for escolhida corretamente, o ACE garante que o sistema tributário seja neutro em todas as fontes de financiamento e investimentos.
Em 2020, a OCDE emitiu uma segunda edição do relatório3, no qual já constava uma lista de nove países que passaram a adotar ACEs em seus sistemas tributários, sendo eles Bélgica, Brasil, Chipre, Itália, Liechtenstein, Malta, Polônia, Portugal e Turquia.
Em junho de 2021 a Comissão Europeia publicou uma iniciativa4 com o intuito de equalizar o financiamento por dívida e por capital, propondo assim: (i) o fim da dedutibilidade das despesas financeiras; ou (ii) a criação de uma ACE. De acordo com um estudo preliminar realizado na União Europeia5, a criação da ACE era a opção preferida.
A OCDE e a União Europeia passaram a incentivar a implementação de ACEs nos sistemas tributários dos países membros pelos mesmos motivos que levaram o Brasil a adotar pioneiramente os JCP. Embora os JCP tenham sido muito criticados pela comunidade internacional, finalmente foi reconhecido o seu fundamento como instrumento de busca pela neutralidade fiscal, e não de mera benesse concedida pelo Estado ao contribuinte.
DISTINÇÕES ENTRE DIVIDENDOS E JCP
Atualmente, existem duas formas de remunera- ção dos sócios – dividendos e JCP – que geram efeitos tributários bastantes distintos. Os dividendos são par- celas de lucros de uma empresa distribuídos aos acio- nistas como remuneração do capital investido.
Vale observar que os lucros passíveis de distri-
  1 MARTINS, Eliseu. Um pouco da história dos Juros sobre o Capital Próprio, Boletim IOB, Temática Contábil e Balanços a. 38, n. 49, dez./2004, p. 1-7
2 https:/www.oecd-ilibrary.org/taxation/corporate-effective-tax-rates_a07f9958-en
3 https:/www.oecd.org/tax/tax-policy/corporate-tax-statistics-second-edition.pdf
4 https:/ec.europa.eu/info/law/better-regulation/have-your-say/initiatives/12995-Debt-equity-bias-reduction-allowance-DEBRA-_en
5 https://www.europeantax.blog/post/102h2ot/french-tax-allowance-for-corporate-equity-an-aborted-initiative
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