Page 10 - IPSOFACTO edição 9 - Maio 2021
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IPSOFACTO
CAPA “
O escopo da modulação é preservar o direito do cidadão e não o estatal, que é um poder muito mais
forte e se impõe ao contribuinte
não ajuizou não tem, demonstra que o contri- buinte mais diligente ou que consegue arcar com o custo de uma discussão judicial será beneficia- do em detrimento de outro talvez menor, que acaba penalizado porque pagou corretamente o tributo”. Anete Medeiros complementa: “Nesses casos, a modulação afasta inclusive o direito à ju- risdição, porque um pode se valer da justiça e o outro, não”.
Jorge Facure, sócio do Escritório, chama atenção ao fato de que a preservação do direito apenas de quem tem ação proposta até a data especificada pode provocar judicialização. “Ve- mos que há uma tendência: quando o julgamen- to é contrário à Fazenda, ela sempre pede mo- dulação. Como os contribuintes sabem que não existem regras nem critérios definidos e que o tribunal pode modular para a data que escolher, há uma corrida ao Judiciário quando determina- do tema está pautado no pré-julgamento”.
QUANDO O INSTRUMENTO É CABÍVEL E DESAFIOS PARA REGULAR
Se, por regra, a norma declarada inconstitu- cional não deve produzir efeitos, excepcional- mente sua modulação pode ser importante para resguardar a segurança jurídica ou preservar re- lações jurídicas já consolidadas. Anete Medeiros ressalta que o próprio Estado cria a norma in- constitucional que provoca o conflito e o contri- buinte não pode ser prejudicado pelo equívoco. “A norma tem presunção de constitucionalidade. O escopo da modulação é preservar o direito do cidadão e não o estatal, que é um poder muito mais forte e se impõe ao contribuinte”.
Jorge Facure cita ocorrências em que há mu- dança de jurisprudência, como no terço consti- tucional de férias. “Há dez anos a jurisprudência determinava que não incidia contribuição previ- denciária sobre o terço de férias; em um julgamen- to de recurso extraordinário o Supremo mudou esse entendimento, decidindo que é devida. O que fazer com os contribuintes que nesse tempo, con- fiando na prevalência do precedente, deixaram de recolher a contribuição, muitos sem processo tran- sitado em julgado? Nesse caso é preciso modular, em nome da proteção da confiança e segurança”.
Por outro lado, pondera, há o desafio de con- ciliar a posição do contribuinte que não entrou com ação e recolhia a incidência. “Para proteger
Anete Mair Maciel Medeiros
a segurança jurídica de uns, modulando, o Su- premo interfere na isonomia de outros”.
CASOS CONCRETOS: AVANÇOS E DÚVIDAS
A falta de definições específicas nas modu- lações causa questionamentos. Entretanto, Ana Paula Faria menciona um caso recente que, ape- sar de ainda suscitar dúvidas, avançou bastante nesse quesito, detalhando oito hipóteses: a de- cisão proferida em fevereiro que definiu que o ISS incide sobre operações com softwares e não o ICMS. “O caso foi emblemático”. (ver artigo sobre o tema na página 16)
Outro caso comentado pela sócia do Escri- tório refere-se à decisão do STF, também em fevereiro, sobre a impossibilidade de os estados cobrarem as alíquotas do DIFAL do ICMS. “A mo- dulação preservou as ações ajuizadas, mas a de- claração de inconstitucionalidade só terá efeito para o exercício de 2022. Neste prazo os esta- dos poderão regularizar a exigência do DIFAL e os contribuintes terão que continuar recolhendo o tributo. Os que já haviam ajuizado conseguem recuperar o valor, desde que observadas algu- mas condições. Quem não possuía ação, apesar da decisão favorável, não recebe nada”.
IMPACTO NO MERCADO NACIONAL E INTERNACIONAL
Com as incertezas e inseguranças, é inevitá- vel o impacto negativo para empresários brasi- leiros e estrangeiros que atuam no país, a co- meçar pela disparidade entre uma empresa não poder pedir restituição por um tributo recolhido e posteriormente considerado inconstitucional enquanto um concorrente tem devolução por- que ajuizou ação.
Jorge Facure comenta que é difícil explicar ao empresário estrangeiro desde as alterações repentinas na jurisprudência até o fato de o con- tribuinte ganhar um benefício por uma decisão, mas não receber, devido à modulação. Cita ainda discrepâncias, como no caso da incidência do ISS sobre o software, em que empresas multinacio- nais podem ter deixado de recolher um tributo nos últimos dez anos porque haviam decisões nesse sentido e precisarão pagar retroativamente. “Quando explicamos que houve mudança na in- terpretação da lei, querem entender como pode- mos ter interpretações diametralmente opostas”.