Page 18 - IPSOFACTO edição 9 - Maio 2021
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ANÁLISE
  “O STF pacificou o entendimento sobre a tributação de software”. Será?
Após mais de vinte anos de discussões (a ADI 1.945 foi ajuizada em 1999), o Plenário do STF enten- deu pela não incidência do ICMS sobre o licenciamento ou cessão de direito de uso de programa de computador (software), seja ele padronizado ou personalizado, acessado via download, em mídia física ou SaaS. Nesses casos, de acordo com o Tribunal, deve haver a incidência do ISS apenas, não do ICMS.
 Embora a questão da incidência do ICMS ou do ISS sobre o licenciamento de uso de softwares pa- reça pacificada, existem muitas outras que ficaram em aberto.
Primeiramente, o Ministro Dias Toffoli, respon- sável pelo voto condutor em ambas as ADIs e que foi seguido pela maior parte dos Ministros, indica que a legislação brasileira não é clara no sentido de que todo bem corpóreo está sujeito ao ICMS e o incor- póreo, ao ISS, como foi uma das linhas de argumen- tação levantadas pelos contribuintes. No decorrer do julgado, ele chega a apontar que, em tese, seria possível que o ICMS abrangesse bens incorpóreos e faz uma comparação com a tributação da energia elétrica, que embora não tenha um corpo físico (é bem incorpóreo), é sujeita ao ICMS.
Nessa linha, em razão da falta de clareza, o Mi- nistro verifica ser necessário observar as regras que evitam conflitos de competência. Como o artigo 146, inciso I, da CF/88, determina que a Lei Comple- mentar deve resolver esses conflitos, é a LC 116/03, que dispõe sobre o ISS, que apresenta as regras que devem ser consideradas em eventual dificuldade na identificação da incidência do ISS e do ICMS, segun- do o voto.
Assim, de acordo com o relator, uma vez defini- do em Lei Complementar que o serviço está abran- gido pelo ISS, já restaria atraída a incidência tão so- mente desse tributo, afastando-se por completo a incidência do ICMS. É o que se verifica no caso do licenciamento do software para uso, que tem previ- são expressa no item 1.05, da LC 116/03.
Nessa linha, fica a dúvida: como serão tratados os demais “bens digitais”, diferentes dos softwares, que também são transacionados sem mídias físicas e não constam na LC 116/03? Poderão ser poten- cialmente tributados pelo ICMS?
A resposta a essa pergunta nos remete a toda a discussão do Convênio ICMS 106/2017, que teve a pretensão de regular a incidência do ICMS sobre “bens e mercadorias digitais, tais como softwares, programas, jogos eletrônicos, aplicativos, arquivos eletrônicos e congêneres, que sejam padronizados, ainda que tenham sido ou possam ser adaptados, comercializados por meio de transferência eletrônica de dados”, e cuja constitucionalidade foi questiona- da por meio da ADI 5.958. No entanto, a expectativa
inicial do mercado, de julgamento em conjunto de to- das as ADIs que tratam da incidência do ICMS sobre intangíveis (além das citadas, a ADI 5.576 também abordava tema semelhante), foi frustrada, com o julgamento conjunto apenas das ADIs 1.945 e 5.659.
Logo após a conclusão dos julgamentos dessas duas ações, a Ministra Cármen Lúcia, relatora da ADI 5.958, julgou prejudicada essa ação, considerando que o Convênio 106/2017, “embora não tenha sido objeto expresso da Ação Direta de Inconstituciona- lidade n. 5.659, perdeu a sua eficácia jurídica desde aquele julgamento, por se tratar de ato regulamen- tador do art. 2o da Lei Complementar n. 87/1996, editado com base na interpretação tida como in- constitucional por este Supremo Tribunal”. A decisão transitou em julgado sem uma declaração formal de inconstitucionalidade do referido Convênio, o que, como dito, poderá causar controvérsias futuras.
Além disso, as decisões das ADIs 1.945 e 5.659 também causaram dúvidas quanto ao próprio con- ceito de “serviços” tributáveis pelo ISS, matéria que foi extensamente debatida pelo STF ao longo do ano passado em diversos julgamentos. Isso porque, em- bora a decisão tenha ressaltado que não basta que uma atividade esteja prevista em lei complementar para que possa se submeter ao ISS, pois deve se amoldar ao conceito constitucional de “serviço” e, portanto, conter alguma obrigação de fazer, o voto do Min. Dias Toffoli aponta que o software é obra do engenho humano e, portanto, pode ser tributado pelo ISS por também ser considerado um serviço.
Nesse ponto, fica a dúvida se o conceito de servi- ço não teria sido indevida e exageradamente alarga- do, já que, a rigor, há “engenho humano” em quase todas as atividades econômicas, tais como indústria e comércio, e pouca nas que claramente são serviços, como no caso de serviços extremamente automati- zados/robotizados.
Restou ainda a incerteza se persistiria a incidên- cia do ISS mesmo para softwares que não tenham sido produzidos pelo “engenho humano” da empre- sa que o licencia. Nesse caso, poderia o ISS alcançar serviços prestados por terceiros, sobretudo se eles estiverem no exterior?
Por outro lado, a decisão não é clara se a incidên- cia do ISS também seria aplicável quando há licen- ciamento para comercialização de software, dado


















































































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