Page 27 - IPSOFACTO N8 , Novembro 2020
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a incidência do tributo sobre as atividades inerentes aos serviços elencados em lei em razão da interpre- tação extensiva2”.
Especificamente em se tratando do conceito de “serviço”, muito se discute na doutrina e jurispru- dência acerca da necessidade de se observar as di- retrizes estabelecidas pelo direito privado, à luz do que determina o artigo 110, do CTN.
O CENÁRIO JURISPRUDENCIAL VIVENCIADO ATUALMENTE REVELA QUE:
• Aplica-se a Súmula Vinculante no 31, que dispõe sobre a não incidência do ISS sobre os serviços de locação de bens móveis, posicionamento adotado pelo STF após consolidar o entendimento de que o imposto somente seria devido sobre operações que correspondam a genuínas obrigações de fazer e re- centemente confirmado nos autos da ADIN no 3142, julgada em agosto de 2020;
• Entretanto, identificam-se precedentes em que o STF concluiu que a classificação restrita do Direito Civil escaparia à “ratio” que o legislador pretendeu alcançar, que seria a de captar todas as atividades empresariais cujos produtos fossem serviços sujei- tos à remuneração no mercado.
A ausência de uniformidade na jurisprudência, de certa forma, confere perigosa autonomia para as municipalidades avaliarem os novos modelos de negócio e concluírem de maneira equivocada no que diz respeito ao enquadramento dos serviços no rol previsto na legislação complementar.
Ora, se a lista anexa à LC 116/03 é taxativa, mas pode ser interpretada de forma extensiva e o con- ceito de serviço transborda à tradicional diretriz constituída pelo Direito Civil (obrigação de fazer), qualquer atividade negocial remunerada poderia ser enxergada pela Administração Fazendária muni- cipal como sujeita à incidência do ISS.
Dessa forma, em se tratando de atividades econô- micas exploradas por empresas em formato de bundle, eventuais serviços não previstos em lei complementar poderão ser classificados como tributáveis.
É fundamental que o instrumento contratual ce- lebrado disponha, de forma objetiva, sobre qual a na- tureza jurídica da prestação. Além disso, a depender do caso concreto, é recomendável a aplicação das re- gras previstas pelo Pronunciamento Contábil no 47, o qual dispõe sobre a necessidade de desdobramento das receitas auferidas por obrigação de performance.
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1 O STF já havia enfrentado o tema em outras ocasiões, como no RE no 361.829/RJ.
2 Foi sugerida a seguinte redação: “É taxativa a lista de serviços sujeitos ao ISS, admitindo-se, contudo, a incidência do tributo sobre as atividades inerentes aos serviços elencados em lei em razão da interpre- tação extensiva apenas naqueles casos em que há essa abertura textual, no correspondente item anexo à lei complementar federal a que se refere o art. 156, III, da Constituição Federal, sem prejuízo do disposto no parágrafo único do art. 116 do CTN.”
Diante de tal incerteza jurídica, resta aos contribuintes atentarem para algumas orientações que podem ser extraídas dos precedentes do STF sobre o tema:
• quando a atividade revelar simples obrigação de dar em sua essência, continua válido o precedente contido no RE no 116.121/SP, que deu en- sejo à edição da Súmula Vinculante no 31, sendo inviável a incidência do ISS;
• se revelar nítida obrigação de fazer e estiver contida na lista anexa à Lei Complementar específica (cabendo interpretação extensiva), há a incidência do ISS;
• atividade mista ou complexa, como é o caso do bundle, sendo pos- sível identificar e segregar as obrigações, seja quanto ao objeto ou no que tange à contrapartida financeira, viável a incidência do imposto tão somente quanto à obrigação de fazer, movimento que poderá ser ado- tado com mais facilidade pelo contribuinte principalmente se houver o desdobramento da receita auferida, em observância das regras do CPC 47 e, por fim;
• no caso de relação mista ou complexa em que não seja possível segre- gar objetos e contraprestações financeiras, estando a operação definida em lei complementar como serviço, cabível a incidência do imposto mu- nicipal quando o serviço preponderar, podendo estar conjugada ou não com a disponibilização de bens.
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É fundamental,
a nosso ver, que
o instrumento contratual celebrado disponha, de forma objetiva, sobre qual a natureza jurídica da prestação
Raphael Nóbrega de Andrade
GUSTAVO DAMÁZIO DE NORONHA: sócio da Unidade do Rio de Janeiro e especialista em Direito Tributário.
RAPHAEL NÓBREGA DE ANDRADE: advogado sênior da área de Consulto- ria Tributária do Escritório no Rio de Janeiro.
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